quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Manoel de Barros: «Fazer o desprezível ser prezado é coisa que me apraz.»

Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas 
       leituras não era a beleza das frases, mas a doença 
      delas. 
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, 
        esse gosto esquisito. 
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno. 
— Gostar de fazer defeitos na frase é muito 
     saudável, o Padre me disse. 
Ele fez um limpamento em meus receios. 
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença, 
        pode muito que você carregue para o resto da 
        vida um certo gosto por nadas... 
E se riu. 
Você não é de bugre? — ele continuou. 
Que sim, eu respondi. 
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em 
        estradas — 
Pois é nos desvios que encontra as melhores 
       surpresas e os ariticuns maduros. 
Há que apenas saber errar bem o seu idioma. 
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de 
       agramática.
Não oblitero moscas com palavras. 
Uma espécie de canto me ocasiona. 
Respeito as oralidades. 
Eu escrevo o rumor das palavras. 
Não sou sandeu de gramáticas. 
Só sei o nada aumentado. 
Eu sou culpado de mim. 
Vou nunca mais ter nascido em agosto. 
No chão de minha voz tem um outono. 
Sobre meu rosto vem dormir a noite.
Manoel de Barros